Ainda estou aqui

Oláá pessoas \0/

É com muita alegria que trago a resenha de mais um nacional que me surpreendeu bastante este ano (mais da metade dos livros lidos em 2017 são nacionais! Que continue assim até o fim do ano, amém!). Com vocês, Ainda estou aqui, do Marcelo Rubens Paiva ♥

Título: Ainda estou aqui

Autor: Marcelo Rubens Paiva

Editora: Alfaguara (cortesia do Grupo Companhia das Letras)

Páginas: 296

Edição: 1

Lançamento: 2015

Sinopse: Trinta e cinco anos depois de Feliz ano velho, a luta de uma família pela verdade Eunice Paiva é uma mulher de muitas vidas. Casada com o deputado Rubens Paiva, esteve ao seu lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Mãe de cinco filhos, passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi preso por agentes da ditadura, a seguir torturado e morto. Em meio à dor, ela se reinventou. Voltou a estudar, tornou-se advogada, defensora dos direitos indígenas. Nunca chorou na frente das câmeras. Ao falar de Eunice, e de sua última luta, desta vez contra o Alzheimer, Marcelo Rubens Paiva fala também da memória, da infância e do filho. E mergulha num momento negro da história recente brasileira para contar — e tentar entender — o que de fato ocorreu com Rubens Paiva, seu pai, naquele janeiro de 1971.

Resenha

No ano de 1971, Rubens Paiva, ex-deputado cassado e exilado no início da ditadura brasileira, foi levado de sua casa e desapareceu. Sua esposa e filhos (incluso o próprio autor) estavam lá quando Rubens foi preso, e Marcelo, com apenas 11 anos de idade, viu-se sem o pai. E viu também a mãe se reerguer perante a dor do desaparecimento, tortura e morte do marido (que levou décadas para ser declarada oficialmente), e lutar por justiça.

Com mais de quarenta anos de idade, Eunice tornou-se advogada e defensora dos direitos humanos, lutando primeiramente contra a ditadura, a tortura e o abuso de poder que levou à morte oficial de mais de 200 pessoas, e o desaparecimento de mais de 150. Mas ela foi também defensora dos direitos indígenas, e era uma mulher tremendamente forte, criando cinco filhos e ainda arranjando tempo para lutar.

O golpe sofreu um golpe. A ditadura se impôs sobre a ditadura [...]. Não existe uma só ditadura, não existe um só golpe de 64. Nem se sabe a data correta: 31 de março ou 1º de abril? – página 93

Acho que o mais incrível em relação a este livro, é que ele é dividido em três partes: a primeira delas nos apresenta Eunice (a mãe do autor) após descobrir ser portadora de Alzheimer, o que foi um baque para a família. A segunda nos conta um pouco sobre o golpe de 64 e o que aconteceu depois, e, a terceira é como uma mistura das duas: temos tanto dona Eunice como as investigações sobre Rubens Paiva (o pai).

Eu ainda não tinha lido os outros livros do autor, apesar de já ter visto algo sobre Feliz ano velho algumas vezes. Gostei da escrita, e, como eu gosto bastante de história, achei interessante a forma como ele montou a obra, nos apresentando fatos juntamente com a história de sua família, apesar de ser algo bem duro de se ler e de imaginar. Como alguém pode passar por algo assim e ainda continuar de pé? Admiro principalmente Eunice, e, conhecendo essa mulher a partir deste livro, imagino que seja impossível não admirá-la.

Não sabemos se as vozes dos outros se tornaram para ela um longo blá-blá-blá, ou se aquilo sobre o que debatemos não faz sentido, não tem relevância, não chega a lugar nenhum, não passa de um enorme blá-blá-blá. Talvez o vazio dos seus pensamentos não passe de um blá-blá-blá. – página 49

Parecia que enquanto eu lia as memórias do Marcelo, eu estava lá olhando tudo acontecer. Os encontros com a família, a amizade dele com os meninos da rua, as mudanças para o Rio, depois para São Paulo, e de volta pro Rio. A angústia de se ter 11 anos e não saber o que está acontecendo, por que o pai foi embora, por que a mãe está tão calma, por que tanta gente estranha na casa. A frustração de não conseguir justiça num país tomado pela censura e tão absorto no medo.

A leitura fluiu bem até chegar no final, onde temos mais de 30 páginas com o envio e recebimento das denúncias do caso Rubens Paiva, feitas pelo Ministério Público Federal. Não me entendam mal, é interessante e também revoltante (que vários dos torturadores e das pessoas que participaram das atrocidades tenham morrido antes de serem julgadas), mas eu achei que ficou um pouco repetitivo, e nem tinha vontade de ler, pois tanto o autor quanto o envio das denúncias já haviam mencionado o que havia acontecido, e quem eram os responsáveis.

A família Rubens Paiva não é a vítima da ditadura, o país que é. O crime foi contra a humanidade, não contra Rubens Paiva. Precisamos estar saudáveis, bronzeados para a contraofensiva. Angústia, lágrimas, ódio, apenas entre quatro paredes. Foi a minha mãe quem ditou o tom, ela quem nos ensinou. – página 39

Ainda assim, foi um livro que eu adorei ler, principalmente por ser verídico e por causa da Eunice, confesso. É uma história que me deixou revoltada, mas também é uma história que nos inspira a continuar de cabeça erguida.  Eunice, com cinco filhos (crianças e adolescentes) não chorou em público quando seu marido desapareceu, não se deixou abater, não clamou por vingança. Ela estudou e passou numa faculdade, se formou e foi à luta. Inspirador.

Agora estou querendo ler os outros livros do Marcelo, a começar por Feliz ano velho, que parece focar principalmente em um acidente que ele sofreu quando tinha 20 anos de idade.