Clarice

Olá a todos,

Hoje trago a resenha de uma biografia que queria ler há muito tempo; Clarice, do americano Benjamin Moser.

Título: Clarice
Autor: Benjamin Moser
Editora: Companhia das Letras (cortesia)
Páginas: 560
Lançamento: 2017

Sinopse: Este livro, lançado originalmente em 2009, deu aos brasileiros uma nova imagem de Clarice Lispector e consagrou sua obra no exterior. Se hoje Clarice é uma figura mítica das letras brasileiras — bela, misteriosa e brilhante —, sua vida foi recheada de percalços que a tornam mais complexa do que mostra a imagem oficial. Ao empreender uma síntese inédita entre vida e obra de uma autora clássica, Benjamin Moser deu uma contribuição de extrema importância para a cultura brasileira. A edição da Companhia das Letras traz posfácio inédito de Michael Wood.

Resenha

Clarice Lispector sempre foi uma figura enigmática, seja na época em que estreou com o livro Perto do Coração Selvagem e até mesmo agora, onde seus quotes são usados por muitos jovens nas redes sociais. Seria Clarice homossexual, homem e até comunista? Benjamin Moser não só rebate futilidades, ele dá vida a uma figura mal compreendida e lida da literatura brasileira, Clarice é um banho de água fria sobre a mesmice que se especula sobre a escritora.

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. - Clarice Lispector

O pé da biografia começa com a conturbada vinda de uma parte da família Lispector, oriundos da região hoje compreendida como Ucrânia. Por serem judeus, Pedro e Mania Lispector, pais da escritora, se veem cada dia mais assolados e com medo de permanecerem na Europa. Após Mania contrair sífilis ao ser estuprada por um pogrom, Pedro começa sua fuga em direção ao continente americano, no meio do caminho, na aldeia de Tchelnik, nasce Chaya Lispector em 1920. Quando a família se instala no Brasil, Chaya tem cerca de 2 anos e adota o nome de Clarice, ela passa uma parte de sua infância em Maceió, e a adolescência em Recife.

Clarice era uma estrangeira. Não porque nasceu na Ucrânia. [...] Clarice era estrangeira na Terra 

Clarice como escritora e Clarice como mãe e mulher de embaixador são retratadas de forma intrínseca. Não se trata de uma deformação, pelo contrário, Benjamin constrói um retrato de uma alma conturbada e singela que nós, leitores brasileiros, não demos conta de conhecer. A natureza pela qual Moser empurra o leitor por todos os quartos e nuances de Clarice pode ser descrita como arrebatadora; seja pela fissura ao novo ou pela descoberta de lugares na literatura de Clarice que ainda não foram expostos.

Do início ao fim da biografia, Moser comentará quase toda obra de Clarice, fazendo um link com o período em que foi escrita, tratam-se de críticas bem formuladas e com teorias válidas, ponto de difícil refutação. A presença de textos e cartas inéditas de Clarice e amigos são outro ponto fortíssimo da obra, Moser tem embasamento e opinião suficiente para falar da vida alheia, melhor, para falar sobre Clarice Lispector.

Em uma mesa na FLIP de 2016, Moser afirma (em um português perfeito) que a fascinação por Clarice começou quando ele aprendia português, o primeiro contato foi com A Hora da Estrela, coincidentemente, o último livro de Clarice. Com certeza a pesquisa para realização da biografia não foi simples, tampouco a interpretação dos livros e contos da autora, o resultado final foi uma pérola, um esmero.

Com título original sendo Why This World?, a obra reeditada pela Companhia das Letras teve como título; Clarice. A nova edição não se distancia muito da anterior, feita pela Cosac Naify, as fotos presentes no meio do livro e o texto de orelha são uma das poucas coisas que diferem. É uma boa edição, além disso, é possível notar mais cuidado aos pequenos detalhes por parte da editora.

Clarice é um sinal de que precisamos de um Moser para muitos escritores brasileiros, isso é, alguém com coragem e determinação para habitar escritores muitas vezes mal interpretados. Clarice é uma biografia de ótima qualidade, seja pela ótima interpretação do espírito de Clarice Lispector ou pela leveza pela qual o leitor é conduzido a uma vida conturbada e poética.