Como se estivéssemos em palimpsesto de putas.

Olá a todos,

Hoje trago a resenha de um livro nacional que trouxe inúmeros elogios e boas críticas, primeira leitura que fiz da (incrível) Elvira Vigna.

Título: Como se estivéssemos em palimpsesto de putas
Autor: Elvira Vigna
Editora: Companhia das Letras (cortesia)
Lançamento: 2017
Páginas: 207
Sinopse: "Dois estranhos se encontram num verão escaldante no Rio de Janeiro. Ela é uma designer em busca de trabalho, ele foi contratado para informatizar uma editora moribunda. O acaso junta os protagonistas numa sala, onde dia após dia ele relata a ela seus encontros frequentes com prostitutas. Ela mais ouve do que fala, enquanto preenche na cabeça as lacunas daquela narrativa. Uma das grandes escritoras brasileiras da atualidade, Elvira Vigna parte desse esqueleto para criar um poderoso jogo literário de traições e insinuações, um livro sobre relacionamentos, poder, mentiras e imaginação."



Resenha

O primeiro estranhamento com Elvira Vigna começa com o título, palimpsesto compreende um pergaminho ou papiro cujo texto foi raspado para dar origem a outro. Como se estivéssemos em palimpsesto de putas define o local onde a autora decide narrar seu livro, um tempo narrativo de incertezas, quase raspado, sobre a infindável e contínua relação de um homem casado, João, com garotas de programa. A narradora, que a todo tempo conduz os acontecimentos, a ordem e o pensamento, tem um certo interesse sobre a transgressão que João sente ao se relacionar com estas profissionais, já que ele sempre começa suas conversas com 'a vida tem dessas'. Nestas experiências, nestes relacionamentos com garotas de programa, a narradora começa a ter uma perspectiva completa da existência do João, e do motivo pelo qual mantêm estes relacionamentos e vê, nele próprio, um homem transgressor e 'superior'. Além da narradora manter estas conversas, ela também divide apartamento com Marina, uma prostituta que espera, um dia, voltar com seu filho pequeno, Gael, para o Nordeste.

Sobre o que falam os livros.
Mentem.
Dizem que são uma coisa, e dependo de como se lê, de quem lê, são outra.
João também, uma espécie de livro, ele próprio. 

O segundo estranhamento se dá pelo estilo narrativo, Elvira é genial ao saber, perfeitamente, conduzir seu narrador em meio a sua própria existência, incertezas e caminhos decididos dentro do próprio percurso textual. O tempo todo parece que o narrador tem controle absoluto de tudo, não seria apenas uma tática de onisciência e onipresença, mas algo que envolve os meandros da narrativa e da contínua dúvida. A narradora, - que não revela seu nome e também não chega a ser o 'centro' do texto - por mais que narre e tenha plena consciência de tudo, se sente insignificante para os homens, chegando a ser vista como lésbica ou muito dura. É nesse momento que a autora parte para uma discussão essencial, a fragilidade do sexo masculino e, também, a competição que existe entre os homens. A narradora deixa algumas coisas bem claras, as conversas se dão no sofá de uma editora quase falida, ela - que é provavelmente arquiteta ou desenhista - revitaliza apartamentos antigos e o casamento de João é infeliz. Além das rotineiras conversas neste mesmo sofá da editora, ao lado de um whisky cowboy, não há nenhum laço duradouro entre os dois.

Como se estivéssemos em palimpsesto de putas é corajoso e audacioso por revelar certos comportamentos e tendências que ficam debaixo de pano. É também um livro político por destrinchar as desigualdades existentes entre homens e mulheres, porém nunca com um discurso comum, a sinceridade e a claridade de Elvira é constante e presente. Em muitas passagens, me lembrei da autora Hilda Hilst, que também não possuía 'papas na língua' e narrava como em um fluxo de consciência e de fôlego - um pouco diferente de Elvira. A leitura, como em toda primeira vez, demora para fluir e para, finalmente, acontecer - não há capítulos, e as pausas acontecem através da quebra de linha.

E porque não escondo uma raiva do mundo que não há jeito de conciliar com qualquer ideia do feminino que ele possa ter.

Recomendo assistir a entrevista que a autora deu ao canal Bondelê, onde, genialmente, discorre sobre o papel do narrador e seu processo de escrita. Com certeza, seu modo de escrever é único, uma pérola. Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, assim como toda sua obra adulta, foi editado pela Companhia das Letras. Recentemente, também após a morte de Elvira, a editora tem feito novas edições e reimpressões.

Recomendo a leitura de Como se estivéssemos em um palimpsesto de putas para quem gosta de Hilda Hilst e, também, para quem gostou de Dias de Abandono, da Elena Ferrante. Como se estivéssemos em um palimpsesto de putas é uma leitura que, além de destrinchar as relações masculinas e a própria prostituição, apresenta uma voz inovadora dentro da literatura brasileira.


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