Vozes de Tchernóbil

Oiee pessoas \0/

Título: Vozes de Tchernóbil
Autora: Svetlana Aleksiévitch
Tradução: Sonia Branco
Editora: Companhia das Letras (cortesia)
Páginas: 384
Edição: 1
Lançamento: 2016

Sinopse: "Em abril de 1986, uma explosão na usina nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia então parte da finada União Soviética , provocou uma catástrofe sem precedentes: uma quantidade imensa de partículas radioativas foi lançada na atmosfera e a cidade de Pripyat teve que ser imediatamente evacuada. Tão grave quanto o acidente foi a postura dos governantes soviéticos, que expunham trabalhadores, cientistas e soldados à morte durante os reparos na usina. Pessoas comuns, que mantinham a fé no grande império comunista, pereciam após poucos dias de serviço. Por meio das vozes dos envolvidos na tragédia, Svetlana constrói este livro arrebatador, que tem a força das melhores reportagens jornalísticas e a potência dos maiores romances literários. Uma obra-prima do nosso tempo. "
Resenha

“Para que um acontecimento se torne história, são necessários uns cinquenta anos. Mas nesse caso as marcas ainda estarão quentes.” – página 50

No dia 26 de abril de 1986, a vida de milhões de pessoas mudou completamente. Um dos reatores da usina nuclear de Tchernóbil explodiu, e o que parecia uma cortina de fumaça cobriu não só a cidade onde ele estava, mas praticamente todo o país, alcançando também os países vizinhos, a Europa e o norte de África. O governo tentou esconder da população o que havia acontecido, empurrava-se para baixo do pano os perigos que a exposição à radiação podia trazer, e recrutavam-se pessoas para limpar a bagunça que o reator havia feito. Quem falava sobre os perigos de consumir produtos cultivados ali por perto corria o risco de ser considerado traidor da pátria, afinal, quem poderia dizer se os inimigos não eram os responsáveis pela explosão?

Neste livro, a autora traz depoimentos de dezenas de pessoas que estiveram lá, que viram acontecer, que foram vítimas da tragédia, que ficaram doentes ou viram pessoas próximas à elas ficarem doentes. Bombeiros, liquidadores, moradores locais, esposas, crianças, todos falam sobre o que aconteceu naquele dia, sobre como parecia que uma nova guerra havia começado, mas não se sabia contra quem lutar. Quem era o inimigo? O átomo? Como lutar contra ele? Como lutar pela sobrevivência, quando a radiação se infiltrava em seus corpos e os matava pouco a pouco?

“Estamos em estado de guerra. Mantenham a boca fechada! Quem se recusar a defender a pátria será considerado traidor.” – página 118

Encontrei aqui relatos chocantes, crus, reais e muito tristes. Eu sabia bem pouco sobre esse desastre, mas agora sinto que sei muito mais. Agora eu sei que alguns bombeiros foram chamados às pressas no momento da explosão, e que achavam que iriam enfrentar apenas o fogo, usando apenas a roupa do corpo. Sei que eles foram mandados para Moscou logo em seguida, e lá morreram pelos efeitos da radiação. Sei que os “voluntários” recrutados muitas vezes não queriam estar lá, sei que ganhavam muito dinheiro, se entupiam de vodca para não sentirem os efeitos da radiação e que todos morreram muito cedo, de câncer. Sei que muitas pessoas se recusaram a deixar suas casas, pois não entendiam o que estava acontecendo, e muitas delas já haviam enfrentado a guerra, como desistir agora, sem um inimigo contra quem lutar?

“Mesmo envenenada pela radiação, esta é a minha terra. Não somos mais necessários em lugar nenhum. Até os pássaros preferem os seus ninhos.” – página 70

Tchernóbil foi um desastre que poderia ter sido evitado, assim como todo e qualquer outro desastre causado por mãos humanas. Foi um desastre que, na época, tentaram esconder da população; poucas pessoas sabiam a gravidade da situação, as outras continuavam apenas sobrevivendo, consumindo alimentos contaminados, respirando o ar contaminado, e trabalhando em prol da pátria, recebendo em seus corpos uma quantidade absurda de radiação, dez, vinte, trinta vezes maior do que a quantidade mortal. Tantas pessoas morreram ajudando a enterrar corpos, casas, terra! Eles enterravam terra contaminada embaixo de terra limpa, e no outro dia essa nova terra já tinha que ser enterrada, pois já estava contaminada. Eles evacuavam algumas pessoas, internavam outras, sem saber como tudo aquilo iria acabar. Como se homenageia pessoas que foram consideradas heróis e vítimas do desastre, quando ele mais pareceu uma guerra?

E os quatrocentos mineiros que escavaram um túnel embaixo do reator? Foi necessário abrir um túnel para injetar nitrogênio líquido na base e congelar uma almofada de terra, assim se diz em linguagem técnica. Senão, o reator teria atingido as águas subterrâneas. Mineiros de Moscou, Kíev, Dniepropetróvsk. Nunca li nada sobre eles. Aqueles rapazes, desnudos, empurravam de gatinhas os vagões a uma temperatura de cinquenta graus. E ali havia as mesmas centenas de Roentgen. Hoje estão morrendo. Mas e se eles não tivessem feito isso? Eu os considero heróis, e não vítimas de guerra, de uma guerra que é como se não tivesse acontecido. Chamam de acidente, de catástrofe. Mas foi uma guerra. Até os nossos monumentos de Tchernóbil parecem militares. – página 220

Esse foi o segundo livro que eu li da autora, e assim como o anterior, A guerra não tem rosto de mulher, ele mexeu muito comigo. Não são histórias inventadas, são depoimentos de pessoas que estavam lá, que sentiram na pele, no corpo, que viram! Pessoas que lutaram para continuar vivendo no lugar onde nasceram apesar de tudo, pessoas que só queriam ir embora dali, pessoas que não podiam mais ter filhos, pessoas que não passariam dos quarenta anos de idade. Pessoas que foram marcadas pela tragédia, e cujos descendentes a levarão no corpo até o fim de suas vidas, pois também foram contaminados.

“Agora, quando penso no meu futuro, eu sonho em terminar a escola e ir embora para bem longe, para um lugar onde ninguém saiba de onde eu sou. Lá alguém poderá me amar. E eu vou poder me esquecer de tudo." - página 196

Livros como esse me fazem pensar muito, e lendo o depoimento da autora, no final (seu discurso quando ganhou o prêmio Nobel de literatura de 2015), percebi que, ainda assim, a história não foi totalmente contada. Só quem estava lá sabe a sensação de ver seu país ruir graças a um inimigo invisível, só quem viu seus entes queridos morrerem de maneira horrível (descritas várias vezes no livro) sabem a dor de não poder fazer nada para ajudar. A autora trouxe um relato completíssimo do acontecimento, e várias pessoas mencionaram também as guerras que ocorriam nos países vizinhos antes de Tchernóbil. Povos que sofreram mais do que a história conta, pessoas cujas vidas foram tiradas tão dolorosamente que é impossível de imaginar.

Eu estava no hospital. Estava tão doente... Pedi à minha mãe: “Mamãe, eu não aguento mais. É melhor que você me mate!” – página 339

Eu estou bastante curiosa para ler mais obras da autora; as duas que li até o momento me marcaram muito, me fizeram ver várias coisas de outa maneira, me fizeram questionar o que nos ensinam na escola, o que nos contam na TV. Como pode um governo mentir para a população, dizendo que tudo está sob controle, quando uma simples gota d’água é o suficiente para contaminar uma família inteira?

Vozes de Tchernóbil é um livro que todos deveriam ler, é um livro que engloba as histórias de dezenas de pessoas que tiveram algo em comum, mesmo sendo tão diferentes. É um livro que impede que, mesmo que já tenham morrido, suas histórias continuam vivas. E essas histórias merecem continuar vivas dentro de todos nós.

Eu tenho medo. Tenho medo de uma coisa: de que o medo ocupe na nossa vida o lugar do amor. – página 305


6 comentários

  1. Olá!
    Gosto muito desse tipo de livro. Ao mesmo tempo que choca o leitor, esclarece muitas situações das quais a maior parte das pessoas não têm acesso.
    Já assisti alguns documentários sobre essa explosão nuclear e já quero ler "Vozes de Tchernóbil".
    Uma ótica dica!

    Abraço!

    ResponderExcluir
  2. Oi Dryh!
    Esse livro me parece ser uma leitura forte e com muitas emoções, ainda não conhecia mas fiquei curiosa sobre os depoimentos e saber mais sobre essa tragédia, parabéns pela resenha me deixou com o coração apertado em ler, com um sentimento de impotência, mas foi muito gratificante em ler. Bjs!

    ResponderExcluir
  3. Oi Dryh, tudo bem? Eu sempre vejo relatos muito comoventes sobre as histórias escritas por essa autora, na verdade relatos, ne? E sinceramente me sinto muito curiosa para ler mas não sei se eu estaria preparada para algo tão forte.

    ResponderExcluir
  4. Olá,
    Te confesso que não sabia que esse livro trazia depoimentos tão impactantes assim e se não fosse a resenha eu nunca saberia pois essa capa não me atrai e se eu fosse comprar ele não estaria nunca na minha lista. Agora estou curiosa para ler esses relatos mesmo sabendo que irei sofre lendo dica anotada

    ResponderExcluir
  5. Oi! Tudo bem?
    Já vi alguns comentários sobre o livro, mas ainda não li. Acho a premissa bem interessante, mas não é o tipo de leitura que me deixaria confortável. Mesmo assim não descarto a leitura se tiver oportunidade.

    Beijos

    Rafa - Fascinada por Histórias

    ResponderExcluir
  6. Olá, tudo bem? Sempre tive curiosidade em saber mais sobre esse desastre, afinal, o que conheço é o que ouvi falar ou aprendi na escola, por isso relatos reais com certeza seriam de fundamental importância para meu entendimento do todo. Não conhecia o livro, mas com certeza anotei a dica. Pela sua resenha posso ver que gostou, e espero gostar também <3
    Beijos,
    http://diariasleituras.blogspot.com.br

    ResponderExcluir

Oiê! Muito obrigada por passar por aqui, deixe um recadinho com o link do seu blog e a gente dá uma passadinha lá mais tarde :)

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...